domingo, 2 de fevereiro de 2014

A NOVELA AMOR À VIDA.


A novela Amor à vida teve no primeiro episódio um ritmo alucinante. Conforme publicado no site MSN Brasil: "Em cerca de 90 minutos, a mocinha descobriu um segredo de família, se rebelou contra os pais, fugiu, encontrou um amor-bandido, engravidou, voltou para casa sozinha, reencontrou o amado, terminou o romance, deu à luz e teve a filha roubada”. Assim a apresentação dos principais personagens foi mediante a uma narração frenética. Igualando-se ao ritmo de vida na cidade de São Paulo: o principal cenário da trama.

Amor à vida teve a missão de substituir o fiasco em audiência e crítica que foi a novela anterior Salve Jorge. A união do escritor Walcyr Carrasco, direção geral de Mauro Mendonça Filho e núcleo de Wolf Maya trouxeram uma trama recheada de expectativas, clichês, mistérios e recortes cinematográficos para prender o telespectador. Isso surtiu efeito e, em comparação com a primeira semana da trama anterior que obteve 32 pontos de audiência, a história de amor e ódio dos irmãos Paloma e Félix alcançou 34 pontos na grande São Paulo.

POLÊMICAS

Durante os 221 capítulos, a trama foi envolvida em inúmeras polêmicas e situações que se estendiam da ficção para a realidade. Ambientada em um hospital, o núcleo de enfermeiros e médicos foi bem criticada por não representar na ficção o que a classe considera como ético e correto. A personagem de Marcia que era uma ex-chacrete foi alvo de protestos das ex-dançarinas do “velho guerreiro”. O vilão gay Felix num primeiro momento foi recriminado por homossexuais que se sentiram ofendidos por serem retratados com tons de falcatruas e maldades. 

Sem dúvidas uma das maiores polêmicas entre o real e a ficção que envolveu a novela foi à personagem Nicole interpretada pela atriz Marina Ruy Barbosa. Conforme especulações, a atriz teria se comprometido a raspar as madeixas ruivas quando a personagem estivesse fazendo o tratamento de um câncer. Contudo, depois de se negar a ficar careca, a personagem foi assassinada e permaneceu muda na trama como fantasma enquanto ouvia insultos dos outros. Por fim, a história de Nicole foi resolvida e a personagem foi substituída por outra ruiva num triangulo amoroso.

Atores como Juliano Cazarré (Ninho) e Marcello Antony (Eron) que tiveram os personagens com a sinopse alterada não economizaram críticas ao texto. Walcyr um assíduo usuário das redes sociais e conhecido por vingar-se por meio dos personagens, retrucou todas as reclamações com desdém e ferocidade: “Convivo com atores que tiveram um sucesso extraordinário na novela e esses estão muito felizes. Pessoalmente, estou muito feliz com o resultado de ‘Amor à Vida’”.

DESTAQUE

Enquanto alguns personagens se perderam na trama, a periguete Valdirene roubou a cena e conseguiu empolgar o telespectador. Em certos momentos, a piradinha conseguia mais atenção que a morna protagonista Paloma. A espevitada em busca da fama e de um milionário contracenou com famosos, jogadores de futebol e até adentrou a casa do Big Brother Brasil. O sucesso elevou o conceito e a moral da estreante Tata Werneck na Rede Globo.


Outro grande e surpreendente destaque foi o vilão gay Felix interpretado por Mateus Solano. O acido e invejoso irmão da protagonista que passou a maior parte da novela tentando prejudica-la e assumir a direção do hospital da família ganhou a graça do público. Dono de um humor sarcástico, as piadas do personagem utilizando situações da bíblia caíram na boca das pessoas. O vilão teve um processo de regeneração e metamorfose que culminou com a  redenção e um final feliz.

O FINAL

Muitos podem dizer que a novela teve um final surpreendente e único, realmente o final foi inesperado. Contudo, na minha humilde opinião, surpreendente seria ver a grande vilã Aline fugindo da cadeia e colocando o terror nos personagens centrais no último bloco. Intimamente, eu torci para que ela agitasse o final, roubasse os eleitores (ops), matasse algum personagem importante, sequestrasse a protagonista, terminasse em pune e rica. Só assim seria verossímil com a realidade que vivemos diariamente. Contudo, os meus ideais foram frustrados quando Aline morreu na tentativa de fuga.

Por fim, num capitulo cheio de emoções em que quase tudo se resolvia, torci muito para o final da protagonista Paloma. Apesar de a trama central girar em torno dela que teve o bebê roubado e jogado numa caçamba de lixo, ela não se evoluiu nem ao encontrar o amado Bruno e a filha. Do começo ao fim era a mocinha frágil e confusa, sem grandes perspectivas e ações. Imaginei e torci um final perfeito com ela morrendo durante o parto. Assim, como na maioria dos capítulos em que foi esquecida, ela não faria falta e no final feliz da história.

Sem dúvidas, o vilão Felix transformou-se no maior herói da história. Todas as atrocidades que cometeu em boa parte da trama foram justificadas pelo desprezo do pai e a homossexualidade oculta. Quando o personagem foi desmascarado também foi retratada a saída do armário  com toda a perversidade que escondia consigo. Destronado, pobre e no calvário, Felix se reestrutura e renasce na trama como uma fênix das cinzas. Então, ele salva o pai das garras da vilã Aline e se propõe a cuidar dele movido pela carência paterna. 

A última cena da novela é extremamente comovente. Inspirada no filme Morte em Veneza, vemos pai debilitado e filho zeloso em frente ao mar diante do por do sol. O filho rejeitado pelo pai tornou-se o guia e cuidador, sendo olhos na cegueira e mobilidade na paralisia. Felix reafirma o amor pelo pai que sempre lhe rejeitou, enquanto este embargado pela emoção admite enfim o reciproco amor.  Assim, sentados nas cadeiras de praia, ambos se dão as mãos. O ato remete a pintura de Michelangelo na capela Sistina em que Deus cria Adão.

O BEIJO GAY

O beijo gay finalmente aconteceu na Rede Globo depois de 10 anos da emissora ter censurado o beijo entre dois homens na novela América de Glória Peres. Em diversas outras novelas, surgiram inúmeras especulações que envolveram várias tramas com personagens homo-afetivas. Contudo, até a cena do beijo entre os personagens Niko (Thiago Fragoso) e Felix (Mateus Solano) em Amor à Vida, nenhum outro autor ou novela do canal tinha exposto esta intimidade.

Em Fina Estampa (2011) de Agnaldo Silva, o personagem Crô interpretado por Marcelo Serrado também ganhou importante destaque na novela. A repercussão foi tanta que o personagem tornou-se protagonista de um filme solo “Crô o filme” (2013). Apesar das grandes expectativas envolvendo um amante oculto de Crô, aquela trama não teve a cena consumada. O autor criou falas criticando a postura da emissora e ironizando a situação, mas as falas também foram cortadas da trama.

Inúmeras produções norte-americanas retrataram a cena sem pudor. O beijo entre duas mulheres foi retratado na novela Amor e Revolução (2011) de Thiago Santiago no SBT.  Todavia, o acontecimento que marcou o fim da novela Amor à vida transformou-a num evento histórico na televisão brasileira. Afinal, o beijo entre dois homens exibido no horário nobre e na novela de maior repercussão do Brasil ecoou alto. O momento proporcionou manifestações favoráveis e contra nas redes sociais e ganhou destaque em jornais internacionais.

O beijo foi apenas o selo numa trama que envolveu outras questões da inclusão social de homossexuais no cotidiano. A novela promoveu discussões da situação à integração do gay na sociedade: preconceitos, adoção, traição, ambição, busca pelo espaço e a construção familiar.  Mais do que mocinhos e vilões retratou o homossexual como ser humano normal  fora da margem e habitante ativo da sociedade, quem paga impostos, merece respeito e tem o direito de participar das principais decisões sociais no país.

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