quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A VERDADEIRA CEGUEIRA ESTÁ NAQUILO QUE NÃO SE QUER VER.


Num dia qualquer, alguém está dirigindo o carro como de costume ou fazendo qualquer outra coisa comum. Aparentemente tudo normal, rotineiro e sem grandes adversidades. Então, numa simples parada no sinal vermelho, a vista perde o foco. Não se engane porque não anoiteceu e nem se trata de um eclipse. Tudo ficou branco como se a visão ficasse perdida no vazio. Simplesmente ficou cego (a) sem motivo ou explicação. Mas não está só. Muitos outros foram contaminados por uma epidemia de cegueira que assola a cidade quiçá o mundo inteiro.

Neste cenário, a sociedade está próxima de um colapso caótico. A humanidade despreparada precisa lidar com a nova situação. Só que as autoridades perdem completamente o controle e os escrúpulos. As vítimas são isoladas em quarentena numa espécie de prisão para proteger os demais cidadãos. Ora porque os fins justificam os meios e as atrocidades. 


Este é o enredo apocalíptico do filme Ensaio Sobre a Cegueira (2008) dirigido por Fernando Meireles inspirado no livro do escritor português José Saramago. O filme brinca com a metalinguagem quando mostra cenas desfocadas e obscuras. Este recurso deixa o telespectador com dificuldades de enxergar alguns lances e sequencias. Assim, quem está assistindo também se sente dentro da história. Tanto que chega a incomodar em alguns momentos.   

Somos envolvidos em 2 horas de suspense, drama, tensão e uma grande crítica social. Muito irreal e fantasioso? Não se engane porque a obra de ficção não está muito fora da realidade. Frequentemente somos contaminados por diversas formas cegueira. Não necessariamente fisiológica. Afinal, na maioria das vezes apenas nos fingimos de cegos. Ficamos deficientes ao ponto de nos acomodar às situações e não lutar por mudanças ou melhorias.



Basta parar e pensar um pouco. Por mais que seja difícil admitir a insuficiência. Quantas vezes não ignoramos o feio, o sujo, malcheiroso e inoportuno que está bem ao redor? Quantas vezes não passamos dos limites pisando sobre outros em busca de benefícios próprios? Nunca encobrimos um deslize alheio porque também nos beneficiaria? Diante de inúmeros escândalos de corrupção podemos até afirmar que estamos isentos, todavia, será que realmente estamos?

A arte retrata de forma exagerada inúmeras situações do cotidiano. Vemos a miséria humana sendo mostrada com complexidade podendo até sugerir um debate sobre a crise institucional da moral e ética. Mas será que realmente estamos prontos para tocar nas feridas mais profundas?



Logo a falta de visão também é pretexto para os personagens se dividirem em dois grupos. Há aqueles que tentam ser corretos enquanto os outros tentam ter benefícios e proveitos. A cegueira mostra a faceta da deficiência moral. Pessoas se sentem superiores para controlarem armas, dominar a comida e terem o direito sobre o corpo alheio como forma de prazer. Sem alternativas, o grupo dominado reage e instaura-se uma verdadeira rebelião entre os cegos. 

A situação culmina com a fuga em massa da prisão. Contudo,  a liberdade só revela o quanto a cegueira se alastrou e arrasou tudo. A cidade está completamente abandonada e assolada. Diante da adversidade, o homem se transforma em animal pronto para matar e morrer. A falta de visão traz a tona os instintos mais primitivos.



Tudo parece bem mais real do que ficcional. Mas não se engane. Qualquer comparação com a realidade não é mera coincidência. Afinal, a arte imita a vida. Sem dúvidas, Saramago faz isso magistralmente nos fazendo refletir sobre o que seria a verdadeira cegueira do ser humano.

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