domingo, 4 de janeiro de 2015

QUANDO O PATETA APARECE NO TRÂNSITO.


O conto Passeio Noturno (1975) escrito por Rubem Fonseca nos apresenta um personagem aparentemente normal e presente em vários lares. O patriarca de uma família consumista e sem muita afetuosidade parece ser um homem exemplar. A única mania que ele tem é obsessão e zelo pelo carro. Ele gosta de dar um “rolezinho” de carro à noite para relaxar, espairecer e tirar de foco as preocupações diárias.

Se analisarmos esta como única diversão que este homem tem, seria natural e até compreensível. Contudo, ele esconde um grande segredo. O prazer dele não está na volta de carro, mas no poder que o veículo lhe proporciona. O carro se transforma em uma arma nas mãos deste homem que se transmuta em um caçador.

Quando sai para observar a paisagem noturna da cidade, ele é movido pelos instintos mais primitivos. Busca insaciavelmente por encontrar uma presa ideal para os fins sórdidos. Ao avistar alguém que anda distraído, ele certifica-se que ninguém está olhando, prepara-se e arranca com tudo atropelando a vítima. Então, entra em êxtase ao deixar alguém agoniando a beira da morte. Depois volta para casa, limpa o carro, guarda na garagem e retoma a vida sem emoções como se nada tivesse acontecido.


Semelhante ao conto de Rubem Braga, um desenho animado da Disney mostra o personagem Pateta modificar-se ao adentrar um automóvel. Munido do veículo, ele se transforma numa verdadeira fera para enfrentar a selva de pedra. Assim, um calmo senhor se torna um monstro sanguinário capaz de cometer as mais execráveis loucuras e imprudências no volante. A disputa por um espaço nas vias e uma vaga para estacionar faz o personagem revelar o lado cruel e sombrio.

Ambos os personagens são obras de ficção, mas a vida nos apresenta diariamente personagens idênticos. Tanto que as duas histórias poderiam ser noticiários de qualquer cidade. Nas ruas reais, as pessoas estão cada vez mais estressadas e sem limites. A correria do dia-a-dia somada à falta de planejamento e políticas urbanas intensificam os humores. 

As vias acabam não suportando o fluxo cada vez maior. Então, a demora em se locomover frente à instantaneidade e agilidade exigida no mundo contemporâneo fazem as pessoas perderem o controle. A falta de fé em melhoras promove as mais absurdas situações e transforma o homem em um ser inferior.  O ser humano animalizado e irracionalizado não é mais que um pateta. Qualquer explosão deixa-o disposto a brigar, ter vantagem e mostrar o lado mais primitivo ao ponto de matar pessoas, a moral e as leis.

Um comentário:

  1. Muita gente utiliza o veículo como válvula de escape de uma vida estressante e opressora. E aí dá nisso!!!

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