sexta-feira, 17 de novembro de 2017

REINO AZUMARELO (CONTO)


Num reino muito distante – nada semelhante ao que conhecemos hoje... será? –, dizia a lenda que o Reizinho I fundou o legado do nada. O rei, muito amável, simpático e empreendedor, ajudou a colocar pedra por pedra daquilo que se tornou o grande império. Esse reino, chamado Azumarelo, prosperou durante muitas décadas, destacando-se e causando inveja. Mas, eis que nada dura para sempre, o Reizinho I acabou por ficar velho e cansado, então, pouco antes de morrer cedeu o trono ao filho, Reizinho II.

Claro que, com o passar dos anos, o novo rei também ficou velho, e, mesmo sentindo a idade avançada, ainda persistia por vários anos no poder. Só que o cansaço devorava os seus frágeis ossos. Não tinha filhos para quem abdicar o trono. Já que, tanto herdeiros diretos quanto os netos, não queriam saber de nada além de seguir projetos paralelos e gastar o dinheiro da família. Foi assim que ele teve a mirabolante ideia de contratar um consultor.  

A consultoria foi tão boa e revolucionária, que, o Reizinho II, já almejando o progresso, resolveu nomear o tal consultor como seu primeiro-ministro. Dessa forma, naquele reino, surgiu um representante para reger tudo e todos – mesmo não sendo eleito pelo voto popular. O problema não era a falta de profissionalismo do fulano, só que tão pouco pensava no povo, pois não era pertencente àquele reino.
 


O forasteiro, que se tornou primeiro-ministro, tinha um olhar diferente sobre a forma de reinar. Desde o princípio, mostrava-se um tanto quanto visionário e louco. Cobrava mais impostos e mais serviços com menos braços para manufatura. Só deslumbrava resultados enquanto procurava cortar os mais diversos gastos que considerava desnecessários. As mais singelas regalias, como cafezinho e o lanche da tarde, eram erradicados tudo em nome do acúmulo da riqueza. Sem dúvidas, fez o reino prosperar, mesmo que a duras penas.

Preferia abrigar outros estrangeiros promissores do quê tornar a vida no reino mais agradável. Nunca ouviu falar em ação de motivação de equipe, incentivo dos talentos internos, ou quaisquer benefícios que capazes de dar mais gosto a vida local. Acreditava que as pessoas deveriam estar felizes por pertencerem ao reino sólido e em grande expansão, dando o couro e até o sangue para isso. Usava-se de palavras difíceis e estrangeirismos para mostrar quem mandava (e o quanto mandava). “Network”, “feedback”, “stand-by” eram algumas expressões que adorava usar em qualquer momento. Simplesmente, achava chique! Ordenava prender e soltar quem quer que fosse, querendo fazer daquele reino algo mais rentável, integrado e admirado. Não é de se duvidar que se pudesse até instauraria um regime de escravidão. Contudo, sabia que leis internacionais jamais permitiriam aquilo. Portanto, não ousava tanto.


Era um grande ditador de ordens. Chefe por natureza. Talvez nunca aprendesse a ser um bom líder ou gestor. Só era respeitado porque era temido. Logo, poucos restavam daqueles que ajudaram a carregar pedras e ergueram as primeiras colunas do reino. O cenário mal lembrava o Azumarelo original, que tinha sido criado por aquele simpático Reizinho I tão popular e venerado por todos. Claro que o ambiente era menos rústico e rudimentar que antes. Seguia rumo à modernidade, desejando a abertura de capital e automatização do ser humano.

Por enquanto, ainda era um reino. Mesmo que já pertence aos estrangeiros. Mas não demoraria para se tornar apenas uma edificação com engrenagens mecânicas. No lugar de pessoas teria inteligência artificial vivendo e otimizando tudo. Softwares e mais softwares tentando ser humanos sem defeitos, sem dialogar e quaisquer outras necessidades básicas da vida. Talvez o rei criador não tivesse admitido aquela enfadonha mudança. Talvez, se pudesse ver o próprio reino sentiria que o sentido de tudo tinha se perdido. Talvez morreria novamente de desgosto. Tão breve, como a evolução dos dias atuais, o reino nem mais seria azul muito menos amarelo.


CIDO PISANI




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