MULHER DE CORAGEM

Sonia Maria Pinto, aos 59 anos, é uma mulher entusiasmada, tomada pela pró-atividade. Apesar de ter nascido numa época em que as mulheres deviam ser submissas ao pai e ao marido, nunca teve esse perfil. “Desde cedo tinha o sonho de trabalhar num escritório”, afirma Sonia, que prestou vários concursos para órgãos públicos sem sucesso. Determinada, começou a trabalhar aos 10 anos, primeiro fazendo faxina em casa de família, depois numa fábrica até ir parar numa padaria. “Lá trabalhei como contadora de pães para os vendedores e garçonete. Naquele tempo, isso não era normal para uma moça. O meu namorado começou a implicar e dizer que eu não ia mais trabalhar depois de casar. Queria que ficasse em casa cuidando dos filhos”, relembra.

Mesmo avessa à ideia, Sonia pediu as contas, casou e teve filhos e, posteriormente, separou-se. Ainda tinha o sonho de trabalhar em escritório, mas não tinha conhecimento na área. Então, aos 18 anos, uma amiga lhe indicou uma empresa que precisava de copeira. “Comecei a trabalhar num lugar pequeno com no máximo 9 pessoas. Trabalhava até as 15 horas porque a carga horária era compatível com o salário, uns 70% do mínimo. Porém, ficava no escritório até o último funcionário sair. As pessoas me perguntavam qual era a minha vontade e davam corda, assim fui me dedicando e aperfeiçoando. Adorava datilografar aqueles contratos enormes”, relembra ela, que foi contratada como auxiliar de escritório depois de 6 meses. “O salário aumentou três vezes mais. Trabalhava como se fosse à dona. Quanto mais trabalhava, mais tinha vontade de fazer. Sempre me coloquei a frente das novidades”.

Enquanto a empresa foi crescendo, ela via os homens ocuparem os cargos mais elevados sem perder a esperança. “Imagina como era difícil naquela época pra uma pessoa pobre, mulher e preta? Eu crescia em conhecimento e não desistia de lutar. Vi a empresa crescer e se desenvolver. Fazia questão de estar por dentro de tudo. Teve uma hora que não tinha mais como não crescer. Vez ou outra aparecia um bonitão que queria me derrubar, mas nunca cedi. Também apareceu um grande profissional que via tudo com muita clareza. Era um verdadeiro mestre e enxergava a essência das pessoas. Tanto o que trabalhava como o bajulador”, diz. 

Um dos episódios mais marcantes para Sonia foi quando o diretor chegou e lhe incumbiu de ser  responsável pela área de Qualidade. “Mal cabia em mim de felicidade. Ele disse que receberíamos a visita de um consultor pra auxiliar na implantação da ISO 9.000. Fiquei olhando pra ele e respondi ok, mas ao virar as costas me perguntava o que seria isso. Não tinha conhecimento e nem o Google pra perguntar. Mesmo assim, fui me informar e procurei fundamentos do assunto. Quando o consultor chegou, eu estava dando aula. Em seis meses, montamos o projeto e, nos anos subsequentes, tivemos auditoria da empresa especializada. Nunca tivemos uma não conformidade dentro da área de qualidade”, diz, ao relembrar da época em que era responsável por mais de 200 pessoas in loco e outras 200 remoto. “Tínhamos várias filiais e a área administrativa ficava sob minha responsabilidade. Fui pra várias cidades no Brasil, eu dava treinamento sobre novos sistemas operacionais”.

Ela passou por tudo com muita dificuldade, principalmente por ser mulher, mas percebeu que tinha vencido quando se viu numa convenção executiva. “Eu era a única mulher entre 28 homens. Ali vi que tinha chegado onde queria. Tive oportunidade de viajar pra fora do Brasil, trabalhar e estudar”, relata ela, cheia de gratidão e nostalgia. “O tempo passou e, como tudo na vida, o ciclo terminou no dia que completei 38 anos, 6 meses e 4 dias de empresa. Chegou o momento de pensar pra que lado deveria ir. Fiz vários planos, montei um escritório de consultoria, mas percebi que não era meu ideal. Não desanimei, respirei fundo e voltei à luta”, conclui Sonia que, ao invés de chorar ou aproveitar a aposentadoria, resolveu empreender numa empresa de reciclagem.